segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

As Tecnologias sociais como instrumentos de mobilizações

Jovens, Internet e política: pensando o uso das novas tecnologias nas mobilizações sociais


Patrícia Lânes - Pesquisadora do IBASE

As manifestações em curso no Egito nas últimas semanas abrem a possibilidade de uma série de reflexões sobre o uso da Internet e das chamadas NTIC (Novas Tecnologias da Informação e Comunicação) nas mobilizações sociais, sobretudo as de massa, nos nossos dias. Artigo de Felipe Corazza, publicado em 03 de fevereiro de 2011 no site da Carta Capital, engrossa o debate falando do papel desempenhado por esses meios, problematizando o fato de terem sido eles os responsáveis pela adesão massiva da população egípcia às manifestações contra o atual presidente do país, o ditador Hosni Mubarak, há três décadas no poder.

Alguns jovens egípcios falam que, através das redes sociais da Internet, a mobilização para a ação nas ruas já vinha acontecendo há mais de um ano. Outros, no entanto, têm uma visão diferente e dizem que com ou sem Internet a população estaria nas ruas. No entanto, aliada às novas tecnologias, a Internet vem cumprindo o papel de mostrar as manifestações para o mundo e conseguir novas adesões. Nas palavras do jornalista e blogueiro egípcio Hossam el-Hamalawy, em entrevista ao professor da Universidade da Califórnia Mark LeVine: “A internet desempenha um papel na difusão da palavra e das imagens do que ocorre no terreno. Não utilizamos a internet para nos organizar. A utilizamos para divulgar o que estamos fazendo nas ruas com a esperança de que outros participem da ação.”

A Internet ou os torpedos (mensagens) via celular, o Facebook ou o Twitter jamais poderiam sozinhos ser responsáveis pelo engajamento de milhares de pessoas a determinada causa. No entanto, eventos recentes, dos quais talvez o Egito seja o caso mais evidente e paradigmático, indicam que não é mais possível relegar o uso dessas tecnologias a uma posição coadjuvante quando se trata de causas coletivas. A relação que sempre aparece nesse debate é entre o uso dessas novas tecnologias e suas ferramentas, espaços de articulação e os(as) jovens.

Aqueles e aquelas que foram socializados nesses novos meios ainda crianças e adolescentes, uma geração que nasceu junto ou depois de celulares, Internet e derivados, têm maior facilidade para conhecer e criar novas possibilidades para seus usos. No entanto, é também muito criticado o uso de tais tecnologias para a publicização da vida privada, que estaria contribuindo para propagar um ethos individualista e consumista. Os meios abrem possibilidades, mas seus usos são orientados pelas ações e idéias disponíveis socialmente.

Estudo recente realizado por Ibase, Pólis e instituições de pesquisa em seis países da América do Sul, com apoio do IDRC, evidenciou que muitas das manifestações públicas lideradas por jovens na última década tiveram forte vinculação com os meios de comunicação (comerciais e as ditas mídias alternativas) e com as novas tecnologias da informação. Muitas ações dos movimentos pressupõem uma face pública, se fazer ver e ouvir pelo restante da sociedade para mobilizar população e pressionar governos, empresas etc. E os meios de comunicação têm papel importantíssimo.

No Chile em 2006, milhares de estudantes secundaristas protagonizaram o que ficou conhecido dentro e fora do país como Revolução dos Pinguins (referência ao uniforme dos estudantes). Eles ocuparam suas escolas por discordar dos encaminhamentos dados pelo governo do país em relação à educação, reivindicando educação pública, gratuita e de qualidade. Além da ocupação física do espaço escolar, a criação de blogs e fotologs das ocupações e do movimento ajudou a dar o caráter nacional e descentralizado da manifestação (que se recusou a ter apenas um porta-voz) e a mobilizar cerca de 800 mil estudantes em dois meses de norte a sul do país. Entre as demais ações estudadas inicialmente pela pesquisa em questão (Juventude e Integração Sul-americana, Ibase, Pólis, 2008), muitas se utilizam de blogs, fotologs e fóruns de debates virtuais para mobilizar e organizar suas ações. Foi o caso do Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro, dos jovens sindicalizados do telemarketing, dos grupos de hip hop aymara de El Alto (Bolivia), dos coletivos juvenis ligados ao Departamento de Juventude de Concepción (Chile), dos estudantes secundaristas organizados na Fenaes (Paraguai), de grupos articulados na Coordinadora por la Legalización de la Marihuana (Uruguai) ou dos Jóvenes de Pie (Argentina). Em todos esses exemplos, o uso da Internet e das novas tecnologias de informação e comunicação se combinam a formas “tradicionais” de militância e essas combinações possíveis também trazem pistas de um jeito próprio dessa geração fazer política.

Talvez um dos exemplos mais contundentes e reveladores seja o do Acampamento Internacional da Juventude (AIJ), organizado durante as edições brasileiras do Fórum Social Mundial (FSM), em especial naquelas que ocorreram em Porto Alegre. Ali, as possibilidades de inventar e praticar novas formas de comunicação e novas maneiras de produzir informação rompiam fronteiras e abriam espaços para o diálogo, hoje cada vez mais cotidiano, entre rádio, televisão, Internet, cinema e produções artísticas das mais variadas. Nesse caso em especial, as experimentações com os meios se aliavam a um debate mais denso sobre auto-gestão e a produção, reprodução e disseminação do que é produzido dentro e fora da rede, do qual o software livre é um ótimo exemplo. Ao analisar as formas de participação social dos jovens, Vital e Novaes apontam que: “No âmbito da participação social de jovens, as NTIC (novas tecnologias de informação e comunicação) se tornam instrumentos úteis para a circulação de informações sobre vários temas e causas e, ao mesmo tempo, alimentam novas bandeiras de luta, como os movimentos que lutam pelo software livre (Vital, Novaes, 2005, p. 125)

Recuperando as pistas deixadas pelos últimos acontecimentos do Egito, é possível vislumbrar que as novas tecnologias da informação e da comunicação fazem parte do cotidiano dos(as) jovens, em cada vez maior escala, nos centros e periferias do Brasil e do planeta, sendo “natural” que estejam em seu repertório de sociabilidades e também de lutas e mobilizações. Os jovens não são reféns das tecnologias. Se as formas de sociabilidade foram alternadas a partir da experiência das mudanças tecnológicas, as culturas locais e as formas mais ou menos tradicionais de se fazer política continuam aí. As mobilizações podem acontecer com a ajuda de redes sociais como Orkut, Facebook ou Twitter. No entanto, a ocupação das ruas e espaços públicos ou o fechamento de ruas e estradas continuam gerando a repercussão social e política que tiveram os últimos acontecimentos. E é ótimo que sejam filmados por celulares e difundidos pelo youtube. As implicações políticas e sociais e as mudanças em curso geradas por tais manifestações só estão acontecendo porque o uso das novas tecnologias está sendo, uma vez mais, combinado com a ocupação massiva e permanente de ruas, praças e avenidas!

De acordo com as conclusões da pesquisa Juventudes Sul-americanas, publicadas no Livro das Juventudes Sul-americanas (Ibase, Pólis, 2010) “(...) se é verdade que esta é a geração da “tecnossociabilidade”, é preciso não minimizar a convivência das novas tecnologias com diferentes agências de socialização, tais como a família, bairro, escola, igrejas. A sociabilidade de determinado segmento juvenil é sempre fruto de diferentes combinações de espaços de socialização. Isso porque o “atual” é composto por uma variedade de arranjos entre tradição e inovação, presentes na vida de diferentes segmentos juvenis. Sem levar em conta esses aspectos, corre-se, mais uma vez, o risco de homogeneizar a juventude. Compreender a existência de diferentes dinâmicas no uso das tecnologias é também uma forma de transpor obstáculos para que as chamadas “minorias ativas” (jovens que participam de grupos, redes e movimentos) se aproximem mais da realidade da maioria da juventude de cada país”. ( p.103) Os últimos acontecimentos protagonizados também por amplos segmentos da juventude egípcia é um bom exemplo disso.

Documentos e páginas eletrônicas consultados:

6 demandas para a construção de uma agenda comum: relatório sul-americano da pesquisa “Juventude e Integração Sul-americana – caracterização de situações-tipo e organizações juvenis”, Ibase, Pólis, 2008.

BOL Notícias, “Último provedor de internet do Egito deixa de funcionar”. 31 de janeiro de 2011.

Corazza, Felipe. “A revolução é online e offline”. Site da Carta Capital, 3 de fevereiro de 2011.

IG/ New York Times/ Luis Nassif Online. “O grito de guerra online no Egito: Jovens impulsionam apelo para expulsar líder do Egito”, 29 de janeiro de 2011.

La Demanda Secuestrada – Situacion tipo del Movimento Estudantil Secundario, CIDPA, Chile, 2007.

Novaes, Regina; Ribeiro, Eliane. (orgs). Livro das Juventudes Sul-americanas, Ibase, Pólis, 2010.

Novaes, Regina. Vital, Christina. A juventude de hoje: (re)invenções da participação social. In: Thompson, Andrés A. (org.) Associando-se à juventude para construir o futuro. São Paulo: Peirópolis, 2005.

O Recôncavo, “Al- Jazeera: Jornalista e blogueiro egípcio fala sobre rebelião”, 1º de fevereiro de 2011.

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