Vivemos uma época de mudanças ou uma mudança de época? Coloco-me ao lado dos que crêem na segunda alternativa. A tecnologia avança num crescendo impressionante. O que é top quando escrevo esta crônica estará superado quando você a estiver lendo. Vivemos a era da instantaneidade, neste mundo plano, em que você acompanha em tempo real, o que acontece doutro lado do mundo.
A comunicação por e-mail, que ainda há quem reaja a ela, já é considerada por muitos, uma forma superada de se comunicar. Algo parecido com o hábito de se gostar de “empurrar” as coisas. Contemporâneo é comunicar-se através de redes sociais, como facebook, orkut, etc. Você coloca o que você tem a comunicar, na sua página, e todos seus amigos tomam conhecimento. Quem quer, interage só com você ou compartilha sua participação com os demais amigos de quem começou a interação.
O twitter, rede social de mensagens curtas, permite que todo mundo seja repórter. Aconteceu um fato interessante? Bote a boca no mundo e coloque seus seguidores (não interessa onde estejam), a par da informação. Se valer a pena, outros twitteiros vão percutir a mensagem. Se quiser também, diga também as suas besteiras. Tem gente que adora dizer que terminou de acordar, que está com sono, o que vai comer, enfim, cada um com o seu gosto.
Os blogs, estes nem se fala, são cadernos de anotação de qualquer pessoa que gosta de registrar suas idéias, pensamentos e abobrinhas; ou verdadeiros jornais pessoais. Há blogs famosos, mais lidos do que muitos jornais. E indiscutivelmente, com muito mais conteúdo que os jornais da “grande imprensa”. O blogueiro não fica tolhido pela ditadura do espaço, tônica dos jornalões. Essa limitação imposta ao jornalista, se tem o mérito de obrigá-lo à concisão, prejudica grandemente o aprofundamento das questões, enfraquecendo o conteúdo.
Outra característica desta mudança de época é a a alteração dos costumes. Estão aí as políticas afirmativas em favor dos segmentos da sociedade tradicionalmente excluídos. Dos negros, ou afrodescendentes, na linguagem politicamente correta, dos homossexuais, dos povos de terreiros, entre outros.
Tudo isso sem falar na mudança de valores, que já ocorriam mesmo antes dessas políticas de afirmação de minorias. Já vai longe a época da himenolatria. A cada dia que passa, a iniciação sexual se dá cada vez mais cedo, com todos os riscos e conseqüências que ela traz. Gravidez precoce, prostituição infantil, disseminação das doenças sexualmente transmissíveis, especialmente a AIDS, pedofilia etc. Essa situação de fato torna risível a comoção causada por certos episódios, no passado. E a forma como eram “corrigidos” ou punidos, pelos valores da época.
Por exemplo, quando eu era ginasiano, acho que da primeira série, lá em Parintins, numa segunda-feira, quando curtíamos a molecagem, durante o recreio, fazendo baderna na pracinha em torno da igreja matriz e em frente ao colégio, lá pelas tantas, um curumim, ao passar na correria, por de baixo da torre, se deparou com listas avermelhadas por sobre uma das colunas. Espantou-se com o que viu. Observou atentamente e gritou a plenos pulmões.
- Égua, moleque. É sangue!
Foi aquele burburinho. O que foi, o que não foi, foi aquela agonia. Adolescentes, um tanto ingênuos, estudantes de colégio religioso, no início dos anos sessenta do século passado (“A gente não fica velho. O tempo é que insiste em passar”, dizia o saudoso Saramago), todo mundo ficou cuíra com o que estava diante dos olhos. A liberação sexual viria na década seguinte e mesmo assim, essas coisas chegavam sempre com atraso, nas cidades do interior e “calibradas” pela moral vigente. Na roda que se formou, os moleques mais “salientes” faziam certas insinuações, porém ninguém tinha experiência suficiente, para dar o veredito.
Foi aí que “pintou”, na sua motocicleta com os inseparáveis óculos RayBan, o Álvaro Bandalheira, que já era um homem feito. Pelo apelido, dá prá imaginar a figura. Uma espécie de Bad Boy de cidadezinha amazônica.
Ele desmontou da moto, se aproximou, levantou os óculos, analisou o “indício” do crime, esfregou o dedo, cheirou e, com um sorriso sarcástico, sentenciou:
- Cabaço!
Foi um pandemônio. A Rádio Cipó “comeu no centro”. O Lioca, o repórter atrapalhado, personagem doutra crônica, no seu abestalhamento, dizia aparvalhado, “Disque fizeram um bagaço”.
Sabe como é que é, em cidade do interior. Todo mundo se conhece. Os costumes de cada um são de domínio público. Não levou muito tempo, para serem identificados o autor e a vítima. Esta por sinal, insuspeitíssima. Pelo ambiente em que era educada, supunha-se que morreria virgem “até de boca”. O autor, ah! esse não causou surpresa nenhuma. Era um curumim muito “saliente e apresentado”, prá se dizer o mínimo. Levava o nome de um animal arisco no seu sobrenome.
O fato que hoje passaria em brancas nuvens, teve que se ser reparado, conforme os costumes da época, com o casamento. O que não impediu que um gaiato gravasse em baixo relevo no local do crime, uma frase que permaneceu por alguns dias, até ser raspada e pintada, em nome da moral e dos bons costumes. A “obra de arte” anunciava, num português escorreito: - Aqui jazem os restos mortais de um cabaço!
Octavio Pessoa – advogado, jornalista e auditor federal de controle externo
Fonte: http://blogdooctaviopessoaf.blogspot.com/
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