terça-feira, 26 de abril de 2011

A Divina Comédia : uma leitura atual


Aqui está uma obra que deveria figurar na “cesta básica” de qualquer estudante. E não apenas por ser a famosa “Comédia” de Dante Alighieri, a que os pósteros houveram por bem acrescentar, por seus méritos tantos, “A Divina”.

"A Divina Comédia" foi iniciada em 1308, mas só concluída ao final da vida de Dante. Trata-se de um poema em três partes, Inferno, Purgatório e Paraíso, que descreve a jornada de Dante para encontrar Deus, acompanhado de Virgilio (simbolizando a razão humana), até o ponto em que Beatriz (a graça divina) deve guiá-lo. Na sua viagem ele pára para conversar com todos os tipos de pessoas, tanto contemporâneas quanto figuras da Antigüidade e da mitologia. Conforme desce através dos nove círculos do Inferno até Satã, é apanhado em armadilha de gelo no centro da terra e sobe a montanha de sete andares até o Purgatório; vai sendo gradualmente purificado de seus pecados, ficando pronto para ser conduzido pela série de esferas celestiais ao Império de Deus. "A Divina Comédia" é uma cosmografia completa do conhecimento medieval e uma profunda recapitulação da doutrina cristã da queda e da redenção, colocada em versos de sublime e majestosa beleza, especialmente na criação de imagens. Representa o pináculo da poesia italiana.

Algumas Passagens da Parte da Divina Comédia:  Inferno

Uma reflexão para os Corruptos, resumindo os Pilantras...

“Ali chegamos; e à vista me estorço
de gente imersa em fossa: todas esterco,
como se humano, a cobrir cara e torso.”
Canto XVIII – Inferno

Início do século XIV, famílias tradicionais lutam pelo poder em Florença e os cargos públicos ficam à mercê dos interesses políticos. Dante Alighieri é acusado injustamente, pela facção negra dos guelfos, de corrupção financeira, aceitação de suborno, peculato e o que hoje conhecemos como gastos irregulares com campanhas eleitorais. Conhecedor de sua condenação sumária à fogueira e da impossibilidade de defesa, o poeta florentino passa dezenove anos no exílio, quando escreve o ápice de sua obra literária intitulada Comédia. O adjetivo “divina” foi acrescentado dois séculos após a sua publicação.

Dante Alighieri morre distante de sua cidade natal. Florença era mais do que o local do nascimento, era o contexto de sua existência, a ambientação para toda sua obra literária, e o motivo para sua dor lancinante que o impulsiona a se aprofundar nos nove círculos do inferno, acompanhado por Virgílio, representando a sabedoria humana, em busca de si mesmo e de auto-realização, para finalmente ser elevado ao paraíso.

A Comédia encontra o final feliz na sabedoria divina representada por sua eterna musa Beatriz, cuja morte ainda em tenra idade tanto o impressionou. Os cantos expõem os personagens florentinos com seres mitológicos, filósofos, poetas, religiosos... A voz do escritor exilado compôs o maior poema de todos os tempos e a percepção mais aprofundada do inferno. Mesmo à distância, Dante analisa o comportamento dos seus contemporâneos, descreve os pecados e as penas com os metafóricos julgamentos nos subterrâneos da alma humana projetada nos atormentados níveis. O Inferno de Dante até hoje influencia a percepção dos artistas e intelectuais.

Distante da realidade, as descrições do oitavo círculo do inferno, onde jazem os corruptos que se locupletaram com os recursos públicos, são impressionantes e sugerem as punições perfeitas para os pecadores com as respectivas almas cobertas com piche imundo e dilaceradas pelos demônios. O Inferno de Dante é uma leitura que fortalece a indignação dos que assistem aos espetáculos medonhos dos jogos políticos, com a percepção da metafórica e inclemente justiça divina em confronto com os acordos humanos e as mitigadas punições compreendidas nas entrelinhas dos noticiários.

Dante reservou o lugar mais quente do inferno para aqueles que em tempos de crises permaneceram indiferentes...

Resta imaginar o que o poeta florentino escreveria ao perceber a realidade no inferno cotidiano de milhões de miseráveis, no purgatório dos indignados ou nos paraísos deturpados, escondidos e obscuros, onde brilham apenas os grandes interesses de poucos poderosos. Será que ainda concluiria a narrativa de seu trajeto com a possibilidade de rever as estrelas?

Nenhum comentário: